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Miragens, de Lucas Oliveira
A exposição 'Miragens', individual da artista Flora Assumpção, apresenta um panorama de obras inéditas produzidas entre 2011 e 2014. Flora realiza um trânsito entre linguagens como desenho, gravura, fotogravura, vídeo, objeto e instalação. Além disso, recorre a recursos tecnológicos, a exemplo da gravação a laser e adesivos espelhados ou plásticos, que lhe permitem distender os limites entre as técnicas tradicionais e os materiais expressivos industriais. Cria corpo para que a solução material seja o elemento forte de conhecimento e aproximação dos trabalhos.
Nesse sentido, a ideia de “miragem” pode remeter a própria qualidade do material, sendo ele o conteúdo essencial de si mesmo, norte da experiência de contato com o trabalho de arte. Aspectos ópticos da luz, como a refração, o brilho ou a textura das superfícies, o espelhamento, a imersão na cena, tudo contribui para ampliar os sentidos e traduzir um ambiente psicológico das obras. Por outro lado, podemos entender “miragens”, nas palavras da artista, como “metáfora inevitável das ilusões humanas”. Afinal, o que são a curiosidade, o deslumbre e a ilusão se não sintomas do desejo?
A exposição é aberta com parte da série 'Pequeno Compêndio das Tormentas (Furacões e Mares)', na qual a artista reelabora a combinação que talvez seja a mais forte de sua trajetória: a estética funcional da máquina da natureza e o imaginário fantástico. Flora trabalha sobre imagens do sublime, aquelas que submetem a humanidade à sorte das formas mais imensas e destrutivas da natureza. Nestas fotogravuras e fotografias, a artista se apropria de imagens retiradas da internet. Tensiona com o conteúdo sublime das tempestades, dos maremotos, editando e manipulando as imagens. Flora retira as imagens de sua condição pública e as sequestra para o seu laboratório, submetendo-as ao processo artesanal longo e delicado que é gravar uma fotografia em camadas, corroendo o metal. Lado a lado, as ondas gigantescas e as nuvens parecem sugerir que a grandiosidade e a violência desses fenômenos possuem uma dimensão intimista, privada, secreta. Como se fosse possível reduzir a sua fúria e estudá-la detalhe por detalhe, como uma célula ou sistema filosófico.
Em 'Salar', Flora nos dá uma pista do seu interesse pelas paisagens da América Latina. Bem como em 'Montanha Construída', ela propõe que as experiências corporais e de percepção visual sejam o parâmetro do espectador para transportar-se para esses espaços, fazendo do corpo a régua para medir e provar uma geografia. Novamente, retira-se da natureza alguns elementos, alguns detalhes que permitem internalizar a referência da paisagem e do espaço, fazer deles um exercício ficcional e de percepção. Em ambos, a ideia do “sem fim” e da camuflagem é reiterada pela captação das texturas, da umidade ou da aridez.
As séries 'Engrenagens', 'Serpentes Negras' e 'Spectros são aquelas que, de maneira mais evidente, antecipam a noção de “máquina”, sempre presente na trajetória da artista. A ideia de engrenagem, de maquinário, decorre da observação e do uso que Flora faz de adereços do vestuário, malhas de metal, correntes, joias, bijuterias etc. É importante considerar também que há aqui uma influência vibrante da literatura fantástica de autores como Jorge Luís Borges, Júlio Cortázar e Gabriel Garcia Márquez. Criam-se simulacros, máquinas de criar desejo.
Na série Spectro, onde encontramos imagens de criaturas que parecem misturar-se à superfície das folhas de ouro e prata, propõe um momento único e vertiginoso com cada imagem. Não são gravuras, não são objetos, mas um encontro, um tensionar entre a sedução da matéria e o movimento da forma. Qual é a forma do ouro; qual é a matéria do monstro. Estas séries provocam a sensação intensa de adentrar uma situação de estudo, de laboratório, na qual o processo criativo de Flora é bastante palpável, simples, e sendo investigação, convida a nós, os funcionalistas, a uma experiência sensível de saber.
Da mesma maneira, as séries 'Animais Simbióticos' e 'Fósseis' possuem um forte componente ficcional. São criaturas míticas cujo enigma está salvaguardado pela dimensão do espelho, pela segurança do cubo acrílico gelado.
Extrapolando o plano bidimensional e trabalhando com o objeto, Flora nos brinda com uma amostra da série das 'Piscinas', uma transferência da iconografia e dos cenários ficcionais míticos, sagrados e fantásticos para uma experiência de contato com a natureza - a água - totalmente controlada, retraída. A água sem movimento é como o tempo parado, sem vida.
Se o tempo fosse parado e nos lançasse a um estado de suspensão e vertigem; se o fluxo da água pudesse ser rompido pela lógica do objeto, haveria uma tentativa imediata de resposta na obra final da exposição. A instalação 'Vertigem do Mar' responde a essa paralisia com a expansão do tempo, uma experiência de imersão corporal sem fim. Note, porém, que as sequências das ondas não são diferentes do modelo de produção industrial, de repetição, contenção e estudo, como o é a 'Piscina'. A natureza e a máquina, no limite, seriam apenas efeitos da percepção imediata.
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